Após aprovação de lei que limita mandato de dirigentes, ex-jogadora trabalha por educação física em todas as escolas públicas: 'Não existe'
A briga mais célebre de Ana Moser em quadra foi contra a cubana Regla Bell, na derrota na semifinal dos Jogos de Atlanta 1996 (confira no vídeo ao lado).
O bronze contra a Rússia no jogo seguinte foi seu ápice olímpico. Se o
ouro não veio para uma das maiores jogadoras do vôlei brasileiro, sua
luta – desta vez no sentido figurado – passou a ser por algo bem mais
amplo: a melhoria do Brasil através do esporte, em diversas frentes. O
começo foi por meio do Instituto Esporte & Educação, que comanda desde 2001, aplicando uma metodologia de esporte educacional em periferias do Brasil.
Com o fim dos Jogos Pan-americanos de 2007 e a escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016, surgiram novas estratégias e a ONG Atletas pelo Brasil, cuja grande conquista até agora foi a aprovação da Medida Provisória 620, no último dia 17. A partir de agora, os mandatos em entidades esportivas que recebem recursos públicos estão limitados, e os atletas ganharam direito ao voto nas eleições dos dirigentes. O objetivo é dar rotatividade e transparência ao comando do esporte brasileiro. Nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, a missão é garantir até 2016 que todas as escolas públicas ofereçam esporte educacional.
Com o fim dos Jogos Pan-americanos de 2007 e a escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016, surgiram novas estratégias e a ONG Atletas pelo Brasil, cuja grande conquista até agora foi a aprovação da Medida Provisória 620, no último dia 17. A partir de agora, os mandatos em entidades esportivas que recebem recursos públicos estão limitados, e os atletas ganharam direito ao voto nas eleições dos dirigentes. O objetivo é dar rotatividade e transparência ao comando do esporte brasileiro. Nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, a missão é garantir até 2016 que todas as escolas públicas ofereçam esporte educacional.
Ana Moser: luta para melhorar o Brasil através do esporte (Foto: Luciano Bergamaschi / Agência Estado)
Nesta entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, Ana Moser contou
como será o trabalho após a aprovação da MP 620 e como os movimentos
populares de junho e julho motivaram o sucesso da iniciativa. Para esta
catarinense de Blumenau, o desenvolvimento do vôlei não está relacionado
aos 16 anos de permanência de Ary Graça à frente da confederação
brasileira. Ela também apontou o caminho de um sistema nacional de
esportes estruturado para que todas as crianças do país pratiquem
esporte nas escolas.
- O esporte de base não existe no Brasil. Nem educação física nas
escolas. (...) Temos no Brasil um potencial para organizar. (...) Mas
não é uma questão prioritária. A resposta para este grande desafio é
muito difícil. Por outro lado, fazer uma Copa e uma Olimpíada, que é um
desafio tão grande quanto, fica mais fácil de resolver porque se coloca
como prioridade.
Ana Moser: proposta para um sistema de esporte
(Foto: Luciano Bergamaschi / Futura Press)
(Foto: Luciano Bergamaschi / Futura Press)
GLOBOESPORTE.COM: Como será o trabalho depois da aprovação da MP 620?
Devemos regulamentar como será a participação dos atletas no colégio eleitoral. A gente espera inspirar atletas a se organizarem para participar dessa regulamentação. E fora a MP, estamos pleiteando a formação de um grupo de trabalho, de um comitê interministerial para continuar estruturando todas as outras questões que precisam ser estruturadas no sistema brasileiro de esporte. A resposta dos atletas foi propositiva e a gente elaborou uma pequena lista de propostas no Palácio para avançar. O foco é integrar diferentes setores públicos e da sociedade na discussão da estrutura de um plano nacional integradas no Conselho Nacional do Esporte.
Alguns dirigentes de confederações dizem que não foram ouvidos.
Essa questão da limitação do mandato dos dirigentes está há mais de dez anos dentro do Congresso Nacional, onde o Estatuto do Esporte estava engavetado. Não foi por falta de debate. Não fomos procurados por dirigentes. A Associação Brasileira de Clubes estava com a gente.
À frente da CBV por 16 anos, o agora também presidente da Federação Internacional de Vôlei Ary Graça defende a tese “se está bom, não mexe”. O desenvolvimento do vôlei no país está ligado ao tempo dele no cargo?
Devemos regulamentar como será a participação dos atletas no colégio eleitoral. A gente espera inspirar atletas a se organizarem para participar dessa regulamentação. E fora a MP, estamos pleiteando a formação de um grupo de trabalho, de um comitê interministerial para continuar estruturando todas as outras questões que precisam ser estruturadas no sistema brasileiro de esporte. A resposta dos atletas foi propositiva e a gente elaborou uma pequena lista de propostas no Palácio para avançar. O foco é integrar diferentes setores públicos e da sociedade na discussão da estrutura de um plano nacional integradas no Conselho Nacional do Esporte.
Alguns dirigentes de confederações dizem que não foram ouvidos.
Essa questão da limitação do mandato dos dirigentes está há mais de dez anos dentro do Congresso Nacional, onde o Estatuto do Esporte estava engavetado. Não foi por falta de debate. Não fomos procurados por dirigentes. A Associação Brasileira de Clubes estava com a gente.
À frente da CBV por 16 anos, o agora também presidente da Federação Internacional de Vôlei Ary Graça defende a tese “se está bom, não mexe”. O desenvolvimento do vôlei no país está ligado ao tempo dele no cargo?
Ary Graça, há 16 anos à frente da CBV: adepto do 'se está bom, não mexe' (Foto: VIPCOMM)
Acho que a grande vantagem do vôlei em relação às outras modalidades é a
longevidade do patrocínio do Banco do Brasil, desde o começo dos anos
90 e sempre crescente. Com um recurso garantido ano a ano fica muito
mais fácil garantir um planejamento e ir avançando. Nunca vi oposição no
vôlei. Nem na confederação e nem na federação de São Paulo (onde Renato Pera soma 23 anos no poder).
Limitando a reeleição, obriga a ter renovação. Historicamente, o
esporte nunca teve muito dinheiro, diferente dos últimos anos. Então,
sempre foi uma troca de favores. Viagem pra cá, viagem pra lá... Uma
mistura de político e dirigente esportivo. Com mais dinheiro muda um
pouco a questão. Quem está na direção tem muito poder sobre esses
recursos todos. Seja favor, ou seja recurso mesmo. Então a tendência é
não mudar, se tornar uma estrutura viciada de manutenção de poder. Não é
uma questão de “se dá certo, não muda”. Como é que você sabe se uma
coisa dá certo e se outra dá ainda mais certo?
Dá para sentir uma vaidade dos dirigentes com o poder?
Todo poder leva a isso. Qualquer tipo de poder.
Como foi o trabalho nos bastidores da aprovação da MP? Além dos ex-atletas, vocês tiveram o apoio de empresários ligados ao esporte.
Dá para sentir uma vaidade dos dirigentes com o poder?
Todo poder leva a isso. Qualquer tipo de poder.
Como foi o trabalho nos bastidores da aprovação da MP? Além dos ex-atletas, vocês tiveram o apoio de empresários ligados ao esporte.
A gente está buscando integrar esses diferentes atores. Isso ganhou
força e representatividade. Não são só os ex-atletas. O Sesc, o Conselho
Nacional de Educação Física e a CBC (Confederação Brasileira de Clubes) têm participado. Temos buscado a aproximação com o sistema federativo em várias situações.
Ana Moser e ex-atletas comemoram a aprovaçao dos MP no Congresso (Foto: Rafael Carvalho / Divulgação)
O lobby contra foi forte?
Existiu, mas no Senado (a aprovação) foi unânime. Na Câmara dos Deputados, foram 40 votos contra e 300 e tantos a favor. Acho que não é tão forte mais, né?
As manifestações populares aceleraram o processo?
Ajudaram a aumentar a escuta dos políticos. Hoje eles estão mais
sensíveis ao que a sociedade tem colocado como reivindicação. Com
certeza criou um ambiente bem propício.
O COB e algumas confederações têm equipes que fiscalizam o uso do dinheiro público. Esse trabalho é suficiente?
Não sei como avaliar. Creio que sim. O COB é altamente profissionalizado. Altos executivos em várias áreas, bem remunerados. Não falta recurso no COB para se estruturar.
Não sei como avaliar. Creio que sim. O COB é altamente profissionalizado. Altos executivos em várias áreas, bem remunerados. Não falta recurso no COB para se estruturar.
Ana Moser ao lado de Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (Foto:Site Senado)
A CBF está nesse pacote da MP ou não? Porque ela recebe mais dinheiro de fonte privada do que público.
Mas ela teria isenção fiscal. Mas parece que abriu mão há um tempo atrás para remunerar seus dirigentes. Quem remunera dirigente perde isenção fiscal e perde recurso público. No caso da nossa proposta, para ter isenção fiscal tem que se adequar às nossas propostas. Mas agora ela recebe dinheiro da Caixa Econômica Federal para o futebol feminino. Mas as federações são regidas por este sistema. Elas com certeza não têm condições de abrir mão da isenção fiscal. As federações teriam que se adequar, aí adequariam o seu colégio eleitoral, e mais cedo ou mais tarde isso chega na CBF, que é eleita pelas federações.
Mas a CBF está ou não incluída na MP 620?
Vocês (jornalistas) é que têm que perguntar se a CBF perdeu a isenção fiscal ou não.
Pelas suas andanças pelo Brasil, como anda o esporte de base no Brasil?
O esporte de base não existe no Brasil. Nem educação física nas escolas. Ela é obrigatória, mas não acontece. Não tem estrutura, espaço físico, nem professor preparado para orientar atividades motoras. Temos diferenças. No Sul do país está melhor, mas sobe mais e você não tem. É exceção escola com duas aulas de educação física por semana, que é a carga curricular. Ainda assim está longe de ser o que estabelece a Organização Mundial de Saúde como ideal de carga de atividade física orientada para crianças e adolescentes, que é de cinco horas por semana. A gente não faz nem duas. E oficialmente não acontece. No fundamental 1 não tem professor de educação física especialista. No fundamental 2 já há, mas em muitos lugares não existe. Daí você falar em esporte de base, não existe. O que existe é um ou outro clube ou algum trabalho de confederação que acaba criando equipes representativas, como no basquete e no voleibol. Em todas as modalidades tem um pouco de esporte de base. Mas é muito pouco, muito eventual.
Mas ela teria isenção fiscal. Mas parece que abriu mão há um tempo atrás para remunerar seus dirigentes. Quem remunera dirigente perde isenção fiscal e perde recurso público. No caso da nossa proposta, para ter isenção fiscal tem que se adequar às nossas propostas. Mas agora ela recebe dinheiro da Caixa Econômica Federal para o futebol feminino. Mas as federações são regidas por este sistema. Elas com certeza não têm condições de abrir mão da isenção fiscal. As federações teriam que se adequar, aí adequariam o seu colégio eleitoral, e mais cedo ou mais tarde isso chega na CBF, que é eleita pelas federações.
Mas a CBF está ou não incluída na MP 620?
Vocês (jornalistas) é que têm que perguntar se a CBF perdeu a isenção fiscal ou não.
Pelas suas andanças pelo Brasil, como anda o esporte de base no Brasil?
O esporte de base não existe no Brasil. Nem educação física nas escolas. Ela é obrigatória, mas não acontece. Não tem estrutura, espaço físico, nem professor preparado para orientar atividades motoras. Temos diferenças. No Sul do país está melhor, mas sobe mais e você não tem. É exceção escola com duas aulas de educação física por semana, que é a carga curricular. Ainda assim está longe de ser o que estabelece a Organização Mundial de Saúde como ideal de carga de atividade física orientada para crianças e adolescentes, que é de cinco horas por semana. A gente não faz nem duas. E oficialmente não acontece. No fundamental 1 não tem professor de educação física especialista. No fundamental 2 já há, mas em muitos lugares não existe. Daí você falar em esporte de base, não existe. O que existe é um ou outro clube ou algum trabalho de confederação que acaba criando equipes representativas, como no basquete e no voleibol. Em todas as modalidades tem um pouco de esporte de base. Mas é muito pouco, muito eventual.
Como você vê a movimentação do governo para melhorar o esporte de base?
Números divergentes |
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Os números apresentados por Ana Moser divergem dos do Ministério do Esporte. De acordo com a ex-atleta, cerca de 3 milhões de crianças são atendidas pelos programas Segundo Tempo e Mais Educação, este do Ministério da Educação. De acordo com o ME, os números chegam a 8,5 milhões das 50 milhões de crianças nas escolas públicas. De acordo com o IBGE, o número de alunos em escolas públicas é de 31 milhões. |
O Ministério do Esporte faz muita coisa. O (programa) Segundo
Tempo há algum tempo vem se fundindo com o Mais Educação, que é o
programa do Ministério da Educação. A cada ano aumenta bastante o número
de escolas atendidas, mas ainda está longe de chegar aos 50 milhões de
alunos em escolas públicas no país (ver quadro ao lado). O
caminho é chegar a estratégias que respondam ao desafio de todas as
crianças terem uma carga boa de atividade motora por semana. Tanto
Esporte quanto Educação estão buscando responder a este desafio. Mas não
é uma questão prioritária. A resposta para este grande desafio é muito
difícil. Por outro lado, fazer uma Copa e uma Olimpíada, que é um
desafio tão grande quanto, fica mais fácil de resolver porque se coloca
como prioridade. De quatro em quatro anos há uma preocupação com eleição
e acaba que os programas avançam, mas não resolvem.
Existe algum modelo de outros países mais adequado para o Brasil seguir?
Vários. No Brasil temos algumas estruturas com escolas e clubes
sociais, comunitários e de várzea. Imagina a estrutura que temos no
futebol, que é cultural, e acontece quase que espontaneamente porque há
muita demanda. Temos no Brasil um potencial para organizar. Na
Austrália, você cria um clube de bocha no seu bairro, por exemplo, e o
inscreve no sistema de esporte do país. Você participa de competições,
tem formação, precisa apresentar um time e um profissional com
determinada qualificação. O sistema vai organizando e fomentando. Na
Inglaterra, fizeram um sistema que integrou as escolas e os clubes
locais para ter crianças e jovens praticando esportes na comunidade. É
um lugar onde a confederação de voleibol aplica uma formação de
professores e monitores que vão trabalhar com a iniciação do esporte na
escola. Você cria uma estrutura de uma grande rede que você vai
integrando com outros atores, como as escolas, os clubes, as secretarias
municipais, estaduais, as federações e confederações. Você combina
todos os recursos destes entes para que todas as crianças tenham acesso a
uma iniciação motora. Que tenha competições regionais ou de base nos
estados e nas cidades, e que isso favoreça o desenvolvimento dos
campeonatos nacionais e a formação das equipes olímpicas. O Brasil tem
tudo. É só uma questão de organizar e ordenar quem faz o que com qual
recurso, quais as responsabilidades de cada ente. No Canadá, estão
implantando de 2012 a 2017 o sistema nacional que aproveita as
estruturas que existem. Não adianta inventar programa. É só copiar e
adequar direitinho. Não tem segredo, nem ovo de Colombo. O ovo de
Colombo é encontrar uma solução ou soluções para atender a todas as
crianças.
Ana Moser no Senado com ex-atletas e o senador Eduardo Suplicy (Foto: Divulgação / Site Senado)
Você aceitaria assumir um cargo político, caso fosse convidada?
Eu sou sociedade civil organizada. Do futuro, ninguém sabe dizer, mas
do futuro próximo eu sei onde estou e é onde eu vou continuar a atuar.
Falta participação cidadã e política sem ser partidário. É isso que eu
faço a partir do Instituto de Esporte & Educação, dos Atletas pela
Cidadania. Eu produzo mais assim.
E para o COB?
Não (risos).
Fora o seu trabalho, como você está vendo a preparação do Rio para os Jogos, tanto na estrutura quanto nos atletas?
Acho que tem muito foco muito forte tanto na preparação do Rio quanto na equipe olímpica brasileira. A menos três anos da Olimpíada, o que é muito pouco tempo, as coisas vão começar a aparecer de maneira mais intensa. Tanto quanto os resultados e a falta de resultados nas modalidades quanto ao andamento das obras. O grande momento é a partir de agora. Estão aparecendo algumas coisas. Não estou muito por dentro desta questão, mas tenho impressão que em pouco tempo teremos muito mais informação para acompanhar.
E para o COB?
Não (risos).
Fora o seu trabalho, como você está vendo a preparação do Rio para os Jogos, tanto na estrutura quanto nos atletas?
Acho que tem muito foco muito forte tanto na preparação do Rio quanto na equipe olímpica brasileira. A menos três anos da Olimpíada, o que é muito pouco tempo, as coisas vão começar a aparecer de maneira mais intensa. Tanto quanto os resultados e a falta de resultados nas modalidades quanto ao andamento das obras. O grande momento é a partir de agora. Estão aparecendo algumas coisas. Não estou muito por dentro desta questão, mas tenho impressão que em pouco tempo teremos muito mais informação para acompanhar.
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