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7 de out. de 2009

Exibição exclusiva de jogo na web cria polêmica na Inglaterra


Imagine um jogo da Seleção Brasileira de futebol ser exibido exclusivamente na internet (sim, e não TV). O que parece improvável neste momento no Brasil será realidade pela primeira vez na Inglaterra no próximo sábado, quando jogam Ucrânia e a seleção inglesa pelas Eliminatórias da Copa do Mundo da África do Sul. A partida tem caráter amistoso, ao menos para os ingleses, que já estão classificados para o Mundial em 2010. Mesmo assim é uma grande quebra de paradigma para o mais caro e rentável futebol do mundo.

O fato histórico se deve ao acaso, mas virou polêmica no país já que trata do confronto de velhas e novas mídias e de se contrapor a estruturas que até então estavam mais do que consolidadas e inabaláveis no mundo do futebol inglês. Os direitos do jogo são da Confederação Ucraniana de Futebol, que os revendeu para a agência suíça Kentaro, que já deteve o direito de amistosos da Seleção Brasileira. A Kentaro, por sua vez, revendeu inicialmente para outra empresa, a Sentata. Esta, no entanto, encerrou suas operações no último verão europeu.

Desde que a Inglaterra classificou-se para a Copa, ao vencer a Croácia por 5 a 1, em Londres, no início de setembro, a Kentaro disse que venderia os direitos para uma rede convencional de televisão. Mas resolveu optar pela empresa Perform, que vai oferecer o jogo exclusivamente na internet no esquema pay-per-view. Torcedores vão pagar cerca de R$ 12,50 se comprarem o ingresso virtual a partir da noite desta quarta-feira, quando começam as vendas online. Os preços vão subindo nos próximos dias até chegar a R$ 30 no dia do jogo, no sábado. O jogo também será exibido em alguns cinemas no país, uma tradição dos ingleses em alguns eventos esportivos.

A Football Association (FA), a associação de futebol inglesa (a CBF local), desaprova veementemente e frisa que não tem autoridade sobre a decisão de transmitir o jogo via internet. "Os direitos pertencem aos ucranianos e eles os venderam. A tradicional transmissão de TV seria a ideal", argumenta o porta-voz da entidade.

Peter Silverstone, o diretor da Kentaro, por sua vez, ataca, em entrevista ao jornal The Independent: "a distinção entre mídias vem rapidamente se confundindo e a tela de TV vem se transformando também na tela do computador. A mídia está mudando e o consumidor tem o direito de escolher como e onde ele quer ver esporte. De nosso ponto de vista, como detentores dos direitos, nossas redes são encriptadas e todos os nossos streamings são seguros".

O streaming legal assusta tanto os broadcasters tradicionais quanto a pirataria online. Na Inglaterra, por exemplo, a associação de futebol contratou uma empresa especializada para monitorar e "limpar" os sites piratas da rede. A FA comemora que na última temporada da Premier League foram varridos da Internet mais de 1,8 mil web sites que exibiam ilegalmente cenas de jogos do principal campeonato de futebol local. Nada impediu, no entanto, que em março, quando a Inglaterra jogou amistosamente contra a Eslováquia, 45 mil usuários seguissem a partida no Justin.tv, um site de compartilhamento de streamings entre usuários comuns.

A revolução digital tem sido o centro das atenções do milionário mundo esportivo. Foi a vedete do 13º Congresso Olímpico, em Copenhague, dois dias depois de a cidade do Rio ser escolhida como a sede dos Jogos de 2016. Membros do Comitê Olímpico Internacional (COI), especialistas, representantes de entidades esportivas e grupos de mídia tentaram discutir o assunto, mas não conseguiram sair do lugar comum. Desfilaram chavões deste novo mundo, conectado, jovem, multiplataforma, mas, no fundo, defenderam mesmo o clássico modelo broadcaster, baseado na velha TV.

Jerome Valcke, secretário-geral da Fifa, sublinhou o poder sedutor das novas mídias, mas deixou bem claro que os direitos pagos pela TV ainda são o principal combustível de financiamento das Copas de 2010 e 2014. Isso talvez explique porque os direitos de transmissão para internet e celular não são vendidos separadamente. Vendem a TV e para não canibalizar o que consideram o principal dinheiro que recebem não permitem a compra das chamadas novas plataformas de maneira apartada. No fundo, é a defesa do velho modelo econômico e de mídia.

O COI adotou o mesmo modelo para a comercialização dos Jogos de 2012 e 2016, após uma experiência de venda isolada para os Jogos de Pequim. A entidade que celebra o espírito olímpico está de olho no público jovem, tanto que vai realizar a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Juventude, no próximo ano, em Cingapura. Além disso, criou concursos de vídeos no You Tube e disponibiliza alguns vídeos históricos num canal olímpico no mesmo site.

Jacques Rogge, presidente do COI, em meio ao ode à revolução digital, foi questionado sobre a canibalização dos direitos, especialmente pela internet, durante a entrevista que encerrou o congresso. Defendeu-se dizendo que os vídeos só foram disponibilizados depois de respeitada a quarentena dos detentores dos direitos. Eis a encruzilhada: como não perder o dinheiro garantido da TV e que sustenta os grandes eventos e se adequar a demanda inequívoca de novas plataformas e novos usuários. O primeiro jogo a ser transmitido com exclusividade na Internet da seleção inglesa pode ter nascido ao acaso, mas a nova geopolítica das comunicações cada vez mais ganha contornos definitivos.

Fonte: Site Terra

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